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OS JORNAIS AINDA TEM FUTURO?

PEDRO ARAUJO

OS JORNAIS AINDA TEM FUTURO?

Há um livro de Anselmo Borges, padre português, que se intitula “Deus Ainda tem Futuro?”. É também interessante tentar responder à questão sobre se os jornais ainda têm futuro. A televisão e a rádio mereceriam uma análise à parte e, nesse contexto, esta análise diz respeito aos jornais, quer no seu formato papel quer na versão digital.

Os períodos de transição, que podem levar muitos anos, criam uma incerteza angustiante para quem tem de tomar decisões de investimento ou desinvestimento. Repare-se que até nas coisas mais simples há períodos de transição relativamente longos. A máquina de escrever ainda conviveu uns bons anos com os primeiros computadores de secretária, até que desapareceu. Desapareceu o suporte físico em causa, mas não o produto que daí resultava (o conteúdo jornalístico). O essencial manteve-se: não redigimos os nossos artigos ou relatórios à máquina, mas escrevemos os conteúdos e continuaremos a fazê-lo e nem os robôs serão substitutos dignos.

O jornalismo está condenado? Não, apesar de tudo. Qualquer entidade política, social ou empresarial atribui maior credibilidade a uma notícia feita por um órgão de comunicação do que a qualquer outro suporte de comunicação. A Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) cruzam-se com os modelos de sustentabilidade da comunicação. As sociedades do conhecimento inclusivas são o caminho a seguir, pois baseiam-se na soma do engenho humano, na inovação técnica e no poder da informação e do conhecimento. O ODS 16 visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, garantindo o acesso público à informação e protegendo as liberdades fundamentais.

Numa sociedade que já garante a liberdade de expressão, como é o caso da portuguesa, em que medida é útil não perder de vista o ODS 16 da ONU? O populismo, normalmente associado ao extremismo de Direita, representa hoje em dia uma ameaça real nas democracias mais e menos desenvolvidas. Lembremo-nos dos Estados Unidos de Donald Trump e do Brasil de Bolsonaro. Não percamos de vista a Hungria, a Itália, a França, a Espanha, a Bélgica e Suécia, países onde a extrema-direita já está no poder ou tem registado crescimentos significativos. Portugal não é exceção. O terceiro maior partido em Portugal, o Chega, é classificado pela generalidade dos analistas como uma formação partidária extremista e que vive muito alimentada pelo culto de um líder único. Segundo o filósofo Jason Brennan, a maior parte dos cidadãos que votam nas democracias são nacionalistas ignorantes, irracionais e desinformados. Ou seja, a culpa de os extremismos crescerem ao nível parlamentar ou até executivo (governo) não pode ser só atribuída à decadência dos partidos tradicionais e à sua incapacidade para responder aos novos tempos. A culpa é de todos nós, os que votam desinformados e os que nem votam por considerarem que esse gesto democrático é uma perda de tempo. E quem é que pode ajudar os cidadãos a manterem-se corretamente informados? Não será certamente a multidão anónima que inunda as redes sociais. O jornalismo foi, é e continuará a ser decisivo na manutenção dos valores democráticos da civilização ocidental. O papel de verificação dos factos não pode ser atribuído à multidão.

As propostas de George Brock, ex-jornalista e atual professor de Comunicação Social em Londres, para um novo modelo de negócio na comunicação social apontam mostram que a receita pode e deve ter um “formato mix”, isto é, um conceito capaz de misturar várias fontes de financiamento.

1- Subscrição ou paywall; 2- Engagement: é uma ferramenta importante para conhecer o público que visita o site e que lê as notícias para saber que conteúdos resultam para que haja uma aposta mais forte por parte da empresa; 3- Filantropia: neste modelo, as instituições recebem dinheiro para investir no jornalismo. 4- Distribuição de jornais gratuitos; 5- Apoio de patrocínios: neste caso, as marcas geram artigos no site como forma de patrocínio; 6- Subsídios públicos; 7- Angariação de fundos através de várias fontes, ao invés de estar restrito a uma só; 8- Apoio do Governo através do fornecimento de dados: também denominado jornalismo de dados. Apesar de os Governos e os jornalistas se encontrarem distanciados, o Governo pode fornecer dados em bruto aos jornalistas para análise e criação de conteúdos e, em certos casos, como complemento das notícias.

Em Portugal, o conceito de jornal gratuito foi tentado, mas rapidamente abandonado. O preço de capa revelou-se, apesar de tudo, essencial para a sobrevivência dos jornais. De resto, assiste-se a tentativas de diversificar fontes de receita, muito na linha das várias propostas de Brock.

Perante a queda da publicidade tradicional enquanto meio de financiamento dos jornais, surgem as publireportagens, que se definem genericamente como artigos publicitários pagos que assumem o formato de reportagens de caráter noticioso. O futuro em termos de financiamento dos jornais pode estar mais aqui. E o futuro estará aqui precisamente porque as empresas dão mais valor a um artigo que seja ou pareça uma notícia independente do que a uma publicidade tradicional, onde se coloca o produto/serviço, a sua vantagem e o preço. Com mais ou menos coloridos e arte, não deixa de ser uma publicidade tipo edital. Não duvido que se mantenha no futuro, mas não convém exagerar a tragédia que advém de esses anúncios tradicionais estarem a cair em termos de investimento nos meios de comunicação. Acho mesmo que se trata de um processo endógeno do marketing, que estará a valorizar agora mais outros formatos e suportes.

O jornalismo mais puro fica em causa com este caminho das publireportagens? Eu diria que não, uma vez que esse caminho permitirá financiar o verdadeiro jornalismo independente. Quem anda neste meio há muitos anos, ainda se lembra de histórias sobre responsáveis de redações que rejeitavam publicidade por esta ocupar o espaço para notícias. Eram tempos em que as vendas em banca geravam uma receita respeitável. Ora, estamos agora conscientes que as notícias e a sua máquina produtora só irão sobreviver se houver publicidade, seja qual for o seu formato.

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